sexta-feira, 21 de janeiro de 2011
(PEQUENA GIGANTE) Perto de Porto Elizabeth, o parque que salvou os elefantes da extinção
ELA ESTÁ TRANSFORMANDO A MANEIRA DE TRATAR OS ELEFANTES NA ÁSIA, PARA QUE ELES NÃO ENTREM NA LISTA DOS ANIMAIS EM EXTINÇÃO
texto Marcia Bindo
Uma pequena criatura vive entre gigantes no norte da Tailândia. Do sexo feminino, pesa 43 quilos e mede apenas 1,55 metro de altura. Seu nome é Sangduen Chailert, mas todos a chamam de Lek – ou “pequenina” em tai. Mas é só se aproximar que Lek cresce, ganha outra proporção. Há muitos anos ela cuida de animais maltratados. Mais especificamente, elefantes. Já salvou centenas dos paquidermes, que, apesar de serem símbolo do seu país – suas imagens enfeitam de garrafas de cerveja a palácios e templos – são cruelmente explorados por lá.
Há um século viviam cerca de 100 mil elefantes na Tailândia, a metade treinada para arrastar toras de madeira e transportar mercadorias. Hoje restaram pouco mais de 3 mil desses mamíferos domesticados e um número ainda menor de selvagens. E a situação deles só tende a piorar. A agricultura e o desmatamento já roubaram dos animais três quartos da floresta do país. E o turismo usa e abusa dos bichos. Quando eles se machucam e não prestam mais para o entretenimento, são abandonados.
A conseqüência são elefantes desempregados e sem lar. Um problema “grande demais para ser ignorado”, como Lek diz. Ela é uma das poucas de sua espécie que não fi caram imunes à situação. Criou o Parque Natural dos Elefantes, onde os bichos não precisam fi car arrastando troncos, pedindo esmolas ou fazendo números de circos – eles podem viver, apenas.
O turismo na Tailândia abusa dos elefantes em shows de circo e passeios em seu dorso
O parque fica a 50 quilômetros de Chiang Mai, no norte da Tailândia, cidade-paraí so dos viajantes que buscam belas paisagens para fazer trekking em terras orientais. Entre as atividades mais procuradas estão o passeio exótico no dorso de elefantes conduzido por um mahout, o adestrador do animal, e os shows em que eles dançam, pedalam em enormes triciclos e fazem coisas bizarras como jogar futebol e até basquete. O que ninguém vê é que, para domar o animal selvagem, são necessárias doses de tortura, num ritual chamado phajaan. Acontece assim: o filhote é afastado da mãe e aprisionado em uma pequena jaula, onde é espancado e privado de comida, água e sono por vários dias. Os mahouts gritam os comandos e, se o animal erra, furam sua pata com lanças de bambu. A tortura segue até o bicho aceitar que pessoas montem em seu dorso. A partir daí, o animal abandona sua força de vontade. E jamais se esquece das torturas que sofreu quando pequeno – daí vem a expressão “memória de elefante”. Na Tailândia, o uso de elefantes para o turismo é permitido. É proibida sua exploração para pedir esmolas pelas ruas das cidades, o que de fato ainda ocorre em todo o país.
A chegada ao Parque Natural dos Elefantes é uma volta à Pré-História. Mais de 30 gigantes acizentados andam livres lentamente em uma enorme área verde. De uma van, turistas ingleses, suecos, alemães descem até uma grande cabana de bambu e madeira, onde dão de cara com as fichas dos animais, para se familiarizar com cada um deles. Há uma foto com o nome do bicho, data de nascimento e chegada ao parque, seu grupo familiar... e o que sofreu – traumatismo craniano, pata quebrada e até cegueira, como é o caso de Jokia.
A pequena Jokia é um dos 32 elefantes adultos que Lek salvou aos longo dos anos. Antes de estar ali, a elefanta trabalhava numa madeireira ilegal, onde puxava cargas pesadas, mesmo estando grávida. Por causa do esforço, sofreu um aborto e resolveu fazer greve. Seu tratador atirava pedras com estilingue para fazêla levantar e andar. Uma vez ele errou o alvo e a deixou cega do olho esquerdo. A depressão da elefanta aumentou. Quando seu dono se aproximou, ela lhe quebrou o braço com o movimento da tromba. Ele acabou atirando uma flecha no outro olha de Jokia e a botou para trabalhar acorrentada. Lek conheceu Jokia quando fazia uma visita à madeireira – ela a viu sendo atacada pelos tratadores porque caminhava dando encontrões em árvores. Quando soube da história da elefanta, decidiu juntar dinheiro para comprá-la. Agora Jokia passa seus dias na reserva florestal de 380 hectares.
Respeito pelo contato
Já é hora do almoço no Parque Natural dos Elefantes. Apesar da dieta leve e vegetariana, à base de frutas como banana, mamão e maçã, para manter esses animais é preciso cerca de 230 quilos de alimentos, mais 230 litros de água por dia. Uma vez domesticados, os elefantes precisam ser alimentados pela equipe. Mas quem faz o trabalho são os turistas que chegam para conhecer o parque, uma maneira de aproximá-los carinhosamente dos gigantes. As criaturas se aproximam do quiosque abanando as orelhas e esticando as longas trombas para receber os cachos de banana. Assim, o parque cumpre uma dupla função – protege os elefantes e educa tailandeses e turistas para um tratamento mais digno aos animais. Voluntários do mundo inteiro que trabalham no parque ensinam sobre o comportamento e a vida dos bichos. Lek acredita que esse contato pode mudar a percepção do visitante em relação ao animal. Porque já percebeu isso na pele.
A tailandesa miúda de cabelos e olhos negros brilhantes nasceu há 46 anos em uma tribo pequena na montanha, e seu amor pelos gigantes chegou quando menina. Seu pai ganhou um filhote como pagamento por ter salvo a vida de um homem. Cresceu junto com o Ouro Puro – seu nome – e desenvolveu um amor pelo bicho de “inteligência assombrosa e surpreendente delicadeza”, como me diz Lek, que decidiu trabalhar mais tarde ajudando os donos das companhias de trekking a usar elefantes desempregados nos passeios. Rapidamente percebeu os abusos que os bichos sofrem – não só na Tailândia, mas em toda a Ásia. Criou o Jumbo Express, ambulâncias que resgatam e levam veterinários até elefantes machucados em vilas remotas. E, através de sua campanha, recebeu muitas doações para comprar um terreno e criar o centro de reabilitação dos elefantes em 1995, e mais tarde um abrigo na floresta para levar os elefantes já recuperados dos maus tratos.
Como as florestas são vitais para a vida dos grandalhões, Lek deu para protegêlas também. Convidou alguns monges budistas para ajudá-la na tarefa. Em algumas semanas, amarraram pedaços de pano alaranjado nas árvores ao redor do parque. Como os tailandeses (em sua maioria budistas) têm muito respeito pelos monges, eles acreditaram que seria um “mau carma” arrancar uma árvore marcada. Por causa do seu trabalho, em 2005 a revista americana Time nomeou Lek heroína do ano na Ásia por proteger um animal que corre o risco de sumir do mapa. “Não sei como alguém pode ficar em contato com um elefante e não amá-lo”, ela afirma enquanto seguimos para o rio.
Este é o momento mais divertido com os elefantes: a hora do banho. Nunca tinha ficado tão próxima desses gigantes. Enquanto eles deitam nas águas rasas, com a ajuda de uma escova e um baldinho, limpo as costas de um deles. Ele rola alegre, e então ficamos olho no olho. Lek tinha razão. Logo os turistas estão caindo de amores pelos trombudos. Depois do banho, é hora de subir em um mirante próximo ao rio. A vista do parque é privilegiada. Nesse momento Lek conta aos visitantes a importância de proteger os animais. Tira dúvidas. Conta sua história. E a história de cada animal. Está emocionada. E nós todos, hipnotizados pela sua força.
Então ela é interrompida por um funcionário que lhe conta algo no ouvido. Seus olhos ficam mais brilhantes. Ela acabara de receber um convite do governo indiano para criar um parque nos mesmos moldes do seu em Bangladesh, na Índia – o país também abusa dos paquidermes e tem problemas para cuidar daqueles que são abandonados. Mesmo pequena, Lek faz uma grande, uma enorme diferença.
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