/> Ecológica de Salto: 2011-10-02

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Estamos com fome de amor...

Estamos com fome de amor

Uma vez Renato Russo disse com uma sabedoria ímpar: "Digam o que disserem, o mal do século é a solidão". Pretensiosamente digo que assino embaixo sem dúvida alguma. Parem pra notar, os sinais estão batendo em nossa cara todos os dias.

Baladas recheadas de garotas lindas, com roupas cada vez mais micros e transparentes, danças e poses em closes ginecológicos, chegam sozinhas. E saem sozinhas. Empresários, advogados, engenheiros que estudaram, trabalharam, alcançaram sucesso profissional e, sozinhos.

Tem mulher contratando homem para dançar com elas em bailes, os novíssimos "personal dance", incrível. E não é só sexo não, se fosse, era resolvido fácil, alguém duvida?

Estamos é com carência de passear de mãos dadas, dar e receber carinho sem necessariamente ter que depois mostrar performances dignas de um atleta olímpico, fazer um jantar pra quem você gosta e depois saber que vão "apenas" dormir abraçados, sabe, essas coisas simples que perdemos nessa marcha de uma evolução cega.

Pode fazer tudo, desde que não interrompa a carreira, a produção. Tornamos-nos máquinas e agora estamos desesperados por não saber como voltar a "sentir", só isso, algo tão simples que a cada dia fica tão distante de nós.

Quem duvida do que estou dizendo, dá uma olhada no site de relacionamentos Orkut, o número que comunidades como: "Quero um amor pra vida toda!", "Eu sou pra casar!" até a desesperançada "Nasci pra ser sozinho!".

Unindo milhares, ou melhor, milhões de solitários em meio a uma multidão de rostos cada vez mais estranhos, plásticos, quase etéreos e inacessíveis.

Vivemos cada vez mais tempo, retardamos o envelhecimento e estamos a cada dia mais belos e mais sozinhos. Sei que estou parecendo o solteirão infeliz, mas pelo contrário, pra chegar a escrever essas bobagens (mais que verdadeiras) é preciso encarar os fantasmas de frente e aceitar essa verdade de cara limpa. Todo mundo quer ter alguém ao seu lado, mas hoje em dia é feio, démodé, brega.

Alô gente! Felicidade, amor, todas essas emoções nos fazem parecer ridículos, abobalhados, e daí? Seja ridículo, não seja frustrado, "pague mico", saia gritando e falando bobagens, você vai descobrir mais cedo ou mais tarde que o tempo pra ser feliz é curto, e cada instante que vai embora não volta.

Mais (estou muito brega!), aquela pessoa que passou hoje por você na rua, talvez nunca mais volte a vê-la, quem sabe ali estivesse a oportunidade de um sorriso a dois.

Quem disse que ser adulto é ser ranzinza? Um ditado tibetano diz que se um problema é grande demais, não pense nele e se ele é pequeno demais, pra quê pensar nele. Dá pra ser um homem de negócios e tomar iogurte com o dedo ou uma advogada de sucesso que adora rir de si mesma por ser estabanada; o que realmente não dá é continuarmos achando que viver é out, que o vento não pode desmanchar o nosso cabelo ou que eu não posso me aventurar a dizer pra alguém: "vamos ter bons e maus momentos e uma hora ou outra, um dos dois ou quem sabe os dois, vão querer pular fora, mas se eu não pedir que fique comigo, tenho certeza de que vou me arrepender pelo resto da vida".

Antes idiota que infeliz!
Arnaldo Jabor

terça-feira, 4 de outubro de 2011

W. Novaes: Continua, célere, o desmatamento da Amazônia


03/10/2011
por Leonardo Boff
O jornalista Washington Novaes continua,corajosamente, denunciando o desastre ecológico que está ocorrendo na região amazônica. Divulgamos aqui um texto cujo titulo original é “Diálogo com um surdo
no meio da floresta”publicado em “O Estado de São Paulo” no dia 23 de setembro de 2011.
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Há questões muito relevantes no Brasil em que, na aparência, acontece um diálogo entre governo e sociedade; na prática, entretanto, os governantes parecem absolutamente surdos ao que dizem cientistas e cidadãos; só ouve os que estão do lado oposto. E esse é – entre outros – o caso da gestão “sustentável” de florestas públicas por empreendimentos privados.

Ainda há poucos dias, o jornal Folha de S. Paulo (4/9) divulgou estudo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (SP) mostrando que o manejo de florestas nativas é, ao menos do ponto de vista econômico, “insustentável”, pois não permite a regeneração das árvores mais valiosas e tende à perda da rentabilidade após o primeiro corte para comercialização. Imagine-se então o que acontece em termos de sustentação da biodiversidade e da manutenção da floresta. Uma questão tão grave que, segundo o estudo, “pode fazer fracassar a política federal de concessão de florestas”. O caso estudado é em Paragominas, PA, região onde o autor destas linhas esteve há uma década acompanhando um desses projetos e concluiu que de sustentável nada tinha; algum tempo depois, ele foi embargado pelo Ibama, porque retirava sete vezes mas madeira do que lhe era permitido.

Pois exatamente poucos dias depois de divulgado esse estudo da ESALQ anunciava o Ministério do Meio Ambiente (9/9) que “10 florestas nacionais integram a lista de florestas públicas que poderão ser concedidas em 2012, segundo o Plano Anual de Outorga Florestal”. Ao todo, 4,4 milhões de hectares – ou 44 mil quilômetros quadrados no Pará, Rondônia e Acre, equivalentes a mais de dois Estados de Sergipe. E 2,8 milhões de hectares se destinarão à “produção sustentável”. Da qual se espera retirar 1,8 milhão de metros cúbicos de madeira.

É uma política que vem desde a gestão Marina Silva no Ministério, contestada por uma legião de conceituados cientistas – mas sem que merecesse qualquer discussão. Foi aprovada por proposta do governo ao Congresso em 2006, por escassa maioria – 221 votos a 199. E dava direito a conceder até 50 milhões de hectares, por 40 anos. Imediatamente vieram críticas contundentes, muitas delas já mencionadas em artigos neste espaço. A começar pelas do respeitado professor Aziz Ab´Saber, da USP, para quem se trata de “um crime histórico, uma ameaça de catástrofe”. A seu ver, mais de 40% das terras são públicas e permitiriam “um programa exemplar”. A concessão, no entanto,como seria feita pela proposta aprovada, levaria à exploração intensiva à margem de rodovias e à perda da biodiversidade. Mais ainda: as florestas jamais voltarão ao domínio público após 40 anos. Todos os países que entraram por esse caminho ficaram sem elas.

O professor Rogério Griebel, do Instituto de Pesquisas da Amazônia, e o almirante Ibsen Gusmão Câmara argumentaram na mesma direção: é um sistema que dará início a um processo de evolução às avessas, partindo dos exemplares mais fracos (os que restarem após o corte dos melhores). Outro cientista do INPA, Niso Higuchi, e o escritor Thiago de Mello, perguntaram como seria possível falar em manejo sustentável se em um único hectare de florestas podem ser encontradas árvores com tempo de maturação de 50 anos, ao lado de outras cujo tempo chega a ser de 1400 anos. Como selecionar para o corte ? Os professores Enéas Salati e Antônia M., Ferreira lembraram que existem muitas Amazônias diferentes, é preciso conhecer todas minuciosamente, antes de qualquer decisão. E os professores Deborah Lima (UFMG) e Jorge Pezzobon (Museu Goeldi) acentuaram que os melhores exemplos de sustentabilidade não estão nesses projetos, e sim em áreas indígenas; o manejo “sustentável”, ao contrário, está entre os piores. E o agrônomo Ciro F. Siqueira trouxe argumento muito forte: não se deterá o desmatamento enquanto explorar ilegalmente um hectare invadido ou grilado custe menos da metade do que se gasta com um hectare em que se paguem todos os custos. Principalmente porque, como argumentou o ex-ministro José Goldemberg, no Brasil temos um fiscal para cada 100 mil hectares, 27 vezes menos que a média mundial. Da mesma forma poderia ser dito que o Ministério do Meio Ambiente continua tendo pouco mais de meio por cento do orçamento federal. Como fará para cuidar de milhões de quilômetros quadrados da Amazônia ? “Não temos para onde correr”, limitou-se a dizer na época o diretor do Serviço Florestal Brasileiro (quem quiser conhecer em toda a sua extensão os pareceres dos cientistas pode recorrer aos números 53 e 54 da revista do Instituto de Estudos Avançados da USP).

Nesta mesma hora em que se vai avançar pelos mesmos caminhos – com os cientistas dizendo que todos os países que seguiram essa rota perderam suas florestas – uma notícia deste jornal informa que 60% da madeira amazônica é desperdiçada por ineficiência no beneficiamento – quando o país consome 17 milhões de metros cúbicos anuais, segundo algumas fontes, ou 25 milhões segundo outras (Envolverde, 20/10/10). 46% do desmatamento corre por conta da agricultura (Greenpeace, 31/8). E poderão ser muito problemáticos os caminhos oficiais que permitem regularizar terras pagando até R$2,99 por hectare, com prazo de 20 anos.

E enquanto a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência se esgoela inutilmente pedindo um programa de desmatamento zero e forte investimento em ciência na região – para formar cientistas, investir em pesquisas da biodiversidade – , este jornal traz a advertência do Imazon (15/7): o desmatamento vai aumentar até julho de 2012, com 10,5% mais que no período 2009/10. 

Com que cara vamos nos apresentar à Rio +20 no ano que vem, quando a perda de florestas será um dos temais centrais ? Como vamos dizer que temos e cumpriremos metas para a área do clima ? Vamos seguir nessa interminável tentativa de diálogo com um surdo ?