/> Ecológica de Salto: W. Novaes: Continua, célere, o desmatamento da Amazônia

terça-feira, 4 de outubro de 2011

W. Novaes: Continua, célere, o desmatamento da Amazônia


03/10/2011
por Leonardo Boff
O jornalista Washington Novaes continua,corajosamente, denunciando o desastre ecológico que está ocorrendo na região amazônica. Divulgamos aqui um texto cujo titulo original é “Diálogo com um surdo
no meio da floresta”publicado em “O Estado de São Paulo” no dia 23 de setembro de 2011.
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Há questões muito relevantes no Brasil em que, na aparência, acontece um diálogo entre governo e sociedade; na prática, entretanto, os governantes parecem absolutamente surdos ao que dizem cientistas e cidadãos; só ouve os que estão do lado oposto. E esse é – entre outros – o caso da gestão “sustentável” de florestas públicas por empreendimentos privados.

Ainda há poucos dias, o jornal Folha de S. Paulo (4/9) divulgou estudo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (SP) mostrando que o manejo de florestas nativas é, ao menos do ponto de vista econômico, “insustentável”, pois não permite a regeneração das árvores mais valiosas e tende à perda da rentabilidade após o primeiro corte para comercialização. Imagine-se então o que acontece em termos de sustentação da biodiversidade e da manutenção da floresta. Uma questão tão grave que, segundo o estudo, “pode fazer fracassar a política federal de concessão de florestas”. O caso estudado é em Paragominas, PA, região onde o autor destas linhas esteve há uma década acompanhando um desses projetos e concluiu que de sustentável nada tinha; algum tempo depois, ele foi embargado pelo Ibama, porque retirava sete vezes mas madeira do que lhe era permitido.

Pois exatamente poucos dias depois de divulgado esse estudo da ESALQ anunciava o Ministério do Meio Ambiente (9/9) que “10 florestas nacionais integram a lista de florestas públicas que poderão ser concedidas em 2012, segundo o Plano Anual de Outorga Florestal”. Ao todo, 4,4 milhões de hectares – ou 44 mil quilômetros quadrados no Pará, Rondônia e Acre, equivalentes a mais de dois Estados de Sergipe. E 2,8 milhões de hectares se destinarão à “produção sustentável”. Da qual se espera retirar 1,8 milhão de metros cúbicos de madeira.

É uma política que vem desde a gestão Marina Silva no Ministério, contestada por uma legião de conceituados cientistas – mas sem que merecesse qualquer discussão. Foi aprovada por proposta do governo ao Congresso em 2006, por escassa maioria – 221 votos a 199. E dava direito a conceder até 50 milhões de hectares, por 40 anos. Imediatamente vieram críticas contundentes, muitas delas já mencionadas em artigos neste espaço. A começar pelas do respeitado professor Aziz Ab´Saber, da USP, para quem se trata de “um crime histórico, uma ameaça de catástrofe”. A seu ver, mais de 40% das terras são públicas e permitiriam “um programa exemplar”. A concessão, no entanto,como seria feita pela proposta aprovada, levaria à exploração intensiva à margem de rodovias e à perda da biodiversidade. Mais ainda: as florestas jamais voltarão ao domínio público após 40 anos. Todos os países que entraram por esse caminho ficaram sem elas.

O professor Rogério Griebel, do Instituto de Pesquisas da Amazônia, e o almirante Ibsen Gusmão Câmara argumentaram na mesma direção: é um sistema que dará início a um processo de evolução às avessas, partindo dos exemplares mais fracos (os que restarem após o corte dos melhores). Outro cientista do INPA, Niso Higuchi, e o escritor Thiago de Mello, perguntaram como seria possível falar em manejo sustentável se em um único hectare de florestas podem ser encontradas árvores com tempo de maturação de 50 anos, ao lado de outras cujo tempo chega a ser de 1400 anos. Como selecionar para o corte ? Os professores Enéas Salati e Antônia M., Ferreira lembraram que existem muitas Amazônias diferentes, é preciso conhecer todas minuciosamente, antes de qualquer decisão. E os professores Deborah Lima (UFMG) e Jorge Pezzobon (Museu Goeldi) acentuaram que os melhores exemplos de sustentabilidade não estão nesses projetos, e sim em áreas indígenas; o manejo “sustentável”, ao contrário, está entre os piores. E o agrônomo Ciro F. Siqueira trouxe argumento muito forte: não se deterá o desmatamento enquanto explorar ilegalmente um hectare invadido ou grilado custe menos da metade do que se gasta com um hectare em que se paguem todos os custos. Principalmente porque, como argumentou o ex-ministro José Goldemberg, no Brasil temos um fiscal para cada 100 mil hectares, 27 vezes menos que a média mundial. Da mesma forma poderia ser dito que o Ministério do Meio Ambiente continua tendo pouco mais de meio por cento do orçamento federal. Como fará para cuidar de milhões de quilômetros quadrados da Amazônia ? “Não temos para onde correr”, limitou-se a dizer na época o diretor do Serviço Florestal Brasileiro (quem quiser conhecer em toda a sua extensão os pareceres dos cientistas pode recorrer aos números 53 e 54 da revista do Instituto de Estudos Avançados da USP).

Nesta mesma hora em que se vai avançar pelos mesmos caminhos – com os cientistas dizendo que todos os países que seguiram essa rota perderam suas florestas – uma notícia deste jornal informa que 60% da madeira amazônica é desperdiçada por ineficiência no beneficiamento – quando o país consome 17 milhões de metros cúbicos anuais, segundo algumas fontes, ou 25 milhões segundo outras (Envolverde, 20/10/10). 46% do desmatamento corre por conta da agricultura (Greenpeace, 31/8). E poderão ser muito problemáticos os caminhos oficiais que permitem regularizar terras pagando até R$2,99 por hectare, com prazo de 20 anos.

E enquanto a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência se esgoela inutilmente pedindo um programa de desmatamento zero e forte investimento em ciência na região – para formar cientistas, investir em pesquisas da biodiversidade – , este jornal traz a advertência do Imazon (15/7): o desmatamento vai aumentar até julho de 2012, com 10,5% mais que no período 2009/10. 

Com que cara vamos nos apresentar à Rio +20 no ano que vem, quando a perda de florestas será um dos temais centrais ? Como vamos dizer que temos e cumpriremos metas para a área do clima ? Vamos seguir nessa interminável tentativa de diálogo com um surdo ?

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